Escrevi esse texto em 2014.
Há quarenta anos, vejam só! Eram dois garotos,
dezesseis e dezessete. Incipientes ainda eram as coisas da adolescência já se
extinguindo, as mudanças de comportamento, a estrutura corporal. Considerados
entre os mais inteligentes da escola, um com tendência à poesia, ao domínio das
palavras, outro às estatísticas, aos nomes, à historia e geografia. Tímidos, se
retraiam na presença das meninas, que se derretiam pelos olhos verdes do mais
novo ou dos azuis do mais velho. Mas a paixão maior na época de ambos era por outro
verde, da flâmula ítalo-brasileira do esporte bretão, que aquele dia
enfrentaria seu maior rival na final daquele Campeonato Paulista cuja
importância era muito maior do que hoje, o torneio mais disputado do Brasil.
Agravante a comentar é que o "mosqueteiro inimigo" amargava uma longa
fila de mais de 20 anos sem títulos.
Mal dormida a noite anterior, devido à
excitação provocada pelo vislumbre da aventura que se apresentava, partiram em
direção à Estação da Paulista na ainda pequena Limeira, mal nascido o sol,
embarcando para a Capital para assistir o jogo da vida desses jovens
torcedores. Três horas de trem, na época, sacolejando felizes por entre a verde
paisagem de laranjais onde hoje só se vê canaviais. Ao meio-dia já estavam em
seus postos, no meio do portentoso Morumbi, munidos de sanduíches de pão com
mortadela e café com leite, preparados pelas zelosas e preocupadas mães. O jogo
começaria às 17 horas, mas era mister guardar o melhor lugar. Após longa espera
o estádio começou a receber os torcedores, num primeiro momento mais
esmeraldino, depois em igual número e por volta das 16, das hostes alvinegras -
gaviões e camisa 12 - que praticamente tingiram o coliseu são-paulino de preto
e branco, obrigando os palmeirenses a ver o jogo de pé e espremidos ombro a
ombro. Não havia comparação, o time corintiano era muito melhor: Rivelino, Zé
Maria, Vaguinho. E o jogo começava amarrado, corpo a corpo, cheio de faltas. A
torcida corintiana, décimo-segundo jogador, esmagava a outra, que de pé
quedava-se ante a fúria adversária. Até os 34 minutos do segundo-tempo: mais
uma primorosa cabeçada de João Leiva de Campos Filho, o "moço de Novo Horizonte",
dessa vez não em direção ao gol, mas nos pés do mineiro Ronaldo Drummond, o
coringa, que fulminou Buttice, calando os 120 mil corintianos presentes. Dali
até o final apitado por Dulcídio, o Vanderléia, os dois meninos juntaram-se ao
coro de "é 22!" da pequena torcida verde, ante a incrédula
mosqueteira, que só fazia queimar bandeiras e vaiar o seu "reizinho".
Já noite, mais uma aventura para os dois meninos caipiras se deslocarem do
longínquo bairro do Morumbi até a Estação da Luz. Espremendo-se entre os ônibus
e carros na saída do Estádio, a ponto de terem que subir no teto de uma Kombi
estacionada, sob o esbravejamento do impotente proprietário, levando cusparadas
nos bonés do time do coração, até a "tirada" esperta do mais novo
quando já no ônibus tomado na Giovanni Gronchi, cheio de corintianos, que os
levaria de volta ao interior, declarando "somos santistas!" ao
parrudo torcedor alvinegro que os interpelara sobre o que acharam do jogo.
História de dois amigos que se conhecem há
quase 50 anos, Eduardo Farsetti e Sidnei Caetano, e que apesar da distância das
surpresas da vida continuam amigos. Obrigado, Baiano, por essa inesquecível
parceria.
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