Onze anos da morte do Clóvis

                                            Viver é impreciso


Temperamento difícil, aquele. Apaixonadamente Peixes, o conheci pelos idos finais dos setenta, quando entrou no Bradesco - onde eu já estava - para trabalhar na área de previdência privada. A empatia, palavra que ele usava com frequência, nos fez amigos de imediato. Entre encontros e despedidas nos aproximamos muitas vezes depois, principalmente quando o descobri exímio jogador de xadrez, atividade comum aos dois, embora eu fosse bem inferior no tabuleiro, e depois, na condução do Bar Floresta, ocasião que recebi a ajuda amiga num momento difícil financeiramente. Ali nos aproximamos mais ainda. Ali se formou o embrião do que viria a ser o G7, nosso indissolúvel clube de xadrez e amizade. Quando saí para montar meu próprio negócio - outro bar - zangou-se tanto que usou da peculiar aspereza para me condenar e ficou quase uma semana de mal comigo. Até que foi me visitar no novo negócio. Assim era o Clóvinho, áspero, direto, apaixonado. Quantos dias avançamos na madrugada discutindo filosofia, quando ele tentava explicar a famosa frase do Pessoa a qual me inspirei para criar o título desse texto; política, outra paixão, onde também discordávamos ou xadrez e o famoso e temerário sacrifício de bispo no "fegatello". Muitas lembranças, como naquele primeiro de maio em que chegando ao Bar Floresta, depois de passar pelo estabelecimento do Grande Osni, o encontrei chorando copiosamente ao ver a morte do ídolo Senna na TV.
Lembrança do problema que criamos (ele encontrou) numa final de peão com bispo de vantagem para as negras que o sacrifício da peça maior dava a vitória para elas. Lembrança do dia que foi ao meu sítio com uma varinha de goiaba e "descobriu" um veio d'água precioso. Ou de uma colocação da qual me lembro até hoje, de que todo mundo deveria morar um tempo na zona rural, onde aprenderia a lidar com as coisas práticas, sem a presença das engenhocas modernas. Ou do dia em que "vestiu" o tabuleiro na cabeça do outro amigo comum, Raimundo de Oliveira Filho, no pesqueiro do Wada, simplesmente por ter perdido a partida.

No final de sua vida um tanto atribulada nos afastamos, sem culpa de um ou de outro, mas sim por motivos fortuitos, mas as lembranças e ensinamentos desse amigo por mim jamais serão esquecidas. Ele se foi cedo, e eu continuo aqui, no "vai ou racha ou arrebenta a tampa da caixa".

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