Um Caipora no litoral

Era para eu nascer caiçara. Naquele saquinho que Deus enfia a mão para tirar as bolinhas da vida - licença poética, meu caro doutor - nasci caipira. Do interior do mato, do sertão bandeirante, os mais caipiras dos caipiras. Ou caipora, como dizia o matuto Chico Paes. Filho da metade vida louca da Zezé com a outra metade formiga nos pés do Ney Caetano, pai. Também meio metido em coisas da cultura, da natureza musical como ela ou meio brucutú rústico como ele. Seguindo a lida fui crescendo na vida do interiorrr, de moleque escorregando nos barrancos tingidos de sangue do massapê, peneirando em riacho, caçando amargosa, subindo morro de bicicleta, comendo goiaba bichada, manga verde com sal, orvaia, pitanga e gabiroba. E sonhando com o mar oceano salgado molhando os pés descalços, os dedos enrugados. Até que um dia vim ver o mar, amor incondicional, mesmo não sendo ainda o mesmo canto, o mesmo encanto. O tempo me levando a Uwatibi, ao Camburi, à Casanga, ao Sertão da Quina. De volta muitas vezes, a sensação de estar em casa, os contrários, a ida era vinda, era reverso. O povo que eu entendia. O que foi um dia europeu transformado em caboclo, o que foi caboclo virou garoça. Na primeira vida as etnias foram se fundindo, vagarosamente, a cada vindavolta. Muitas viagens, muitas terras, as formigas coçando as solas até uma nova vida apresentada. Renascer. Não perder a natureza caipora, o que se vive não se perde. Ganhar sim o gosto dos ventos d'África, a brisa; o sudoeste, a água que cai do céumar azul todos os dias, virando semanas, virando meses, as nuvens do Corcovado, a doçura do Indaiá a retirar o insalubre do mangue da barra seca, o peixe seco com banana e farinha, o mesmo café de sempre, forte e amargo, a maravilha do sol, da nascente do Puruba até a Galheta. Incorporar.